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Como vivem os cachorros domésticos “selvagens”

Photo credit: Tambako the Jaguar / Foter / CC BY-ND
Photo credit: Tambako the Jaguar / Foter / CC BY-ND

Por Alexandre Rossi, especialista em comportamento animal.

Depois de passar milhares de anos sendo selecionado pelo homem, como será que o cão doméstico se sai quando precisa sobreviver por conta própria?

Existem diversos grupos de cães vivendo com pouquíssimo ou nenhum contato com pessoas. Alguns desses grupos foram acompanhados por pesquisadores interessados em entender melhor as diferenças entre cães e lobos e em saber mais sobre o processo de domesticação.

Por que domésticos e “selvagens” Geneticamente idênticos aos cães com os quais estamos acostumados, os cães domésticos “selvagens” diferenciam-se por não terem tido contato com seres humanos durante o período de sociabilização. Não reconhecem, portanto, os seres humanos como parte do grupo. Se a sobrevivência desses cães persistir sem a interferência humana, com o tempo, provavelmente, as alterações genéticas os aproximarão dos Dingos, cães australianos selvagens, que são uma subespécie de cães.

Onde vivem Há comprovações ou relatos desses grupos de cães em todos os continentes. Algumas matilhas vivem totalmente afastadas de qualquer civilização. Outras vivem nos arredores de cidades ou vilas. E há também as que vivem dentro das cidades. Neste artigo focarei as matilhas mais “selvagens”. Ou seja, as que tiveram muito pouco ou nenhum contato com seres humanos.

Alimentação Como diversos animais selvagens, esses cães frequentam lixões e costumam revirar o lixo das pessoas quando não há ninguém por perto, geralmente à noite.

São vistos, ainda, caçando pequenos animais, principalmente roedores, como ratos, e pequenas aves, como galinhas, pombos e pardais.

Diferentemente dos lobos, raramente caçam ou matam animais de grande porte. Quando isso acontece, costumam se especializar em animais domésticos, como bovinos, ovinos e caprinos. Parecem não conseguir coordenar uma caçada da mesma maneira que os lobos. Por isso, provavelmente, dependem mais dos pequenos animais ou de animais maiores, mas menos aptos a se defender ou fugir.

Os Dingos demonstram uma capacidade bem mais elaborada para cercar e caçar marsupiais, como cangurus, do que os seus parentes mais domésticos. Essa diferença deve estar relacionada ao longo período em que os Dingos precisaram sobreviver sem a ajuda do homem, o que fez o comportamento deles, nesse aspecto, voltar a ser semelhante ao do ancestral de ambas as subespécies, o lobo.

Reprodução Numa matilha de lobos, só um casal tem permissão para se reproduzir. Já num grupo de cães domésticos “selvagens”, várias fêmeas se acasalam e ficam prenhes. O resultado desse comportamento é, freqüentemente, a produção de um número de filhotes maior do que o grupo é capaz de cuidar. Para piorar as chances de sobrevivência dos filhotes, os machos raramente ajudam as fêmeas a cuidar da prole e a protegê-la.

O cio das cadelas ocorre duas vezes por ano, enquanto o das lobas é apenas anual. Esse é mais um fator que dificulta o sucesso reprodutivo dos grupos de cães. As fêmeas precisam dividir a atenção entre os filhotes recém-nascidos e os que já têm 6 meses, além de terem menos tempo para se recuperar dos desgastes provenientes do parto. Nos países onde o frio é mais rigoroso, o cio adicional também prejudica a sobrevivência dos filhotes que nascem próximo ao inverno, pois precisam enfrentar, ainda pequenos, o frio (as ninhadas de lobo normalmente nascem na primavera, quase um ano antes do próximo inverno).

O comportamento reprodutivo dos Dingos é intermediário entre o dos lobos e o dos cães domésticos “selvagens”. O grupo ajuda nos cuidados com os filhotes, mas o casal dominante permite que outras fêmeas se reproduzam. É provável que o excesso de filhotes produzidos seja controlado pela prática de infanticídio: a fêmea dominante mata todos os filhotes das demais (comportamento observado freqüentemente em cativeiro).

Sobrevivência Estudos como esses deixam claro como os diversos comportamentos dos lobos são importantes para a sobrevivência deles. As alterações comportamentais que afastam os cães dos lobos criam situações que dificultam muito o sucesso reprodutivo e a própria sobrevivência.

O que determina a aparência dos lobos e como se comportam é a luta pela sobrevivência. O homem conseguiu transformar o lobo em cão, selecionando comportamentos e traços físicos. Mas isso só foi possível porque ele garantiu artificialmente a sobrevivência dos animais que domesticou. Podemos dizer que, hoje, o cão é uma espécie dependente do homem para sobreviver.

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